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sexta-feira, 29 de março de 2013

CONVIDEI PARA JANTAR

 
VINCENT VAN GOGH 

O idealismo, o arrebatamento místico, a solidão, a pobreza e, por fim, a frustração, a par dos excessos – bebida, tabaco, “má vida” - foram as fiéis companhias de Vincent van Gogh ao longo da sua curta existência de 37 anos. Se tinha problemas mentais ou se estes foram precipitados (ou, ainda, potenciados) pelo absinto, pela má nutrição, pelo tabaco, pelos vapores tóxicos das tintas, é algo que nunca se saberá.



O que sabemos é o que vemos e, sobretudo o que sentimos quando vemos, as suas telas – a progressiva explosão da cor, desde os primeiros trabalhos sombrios, tributários da mais fiel tradição flamenga, que apenas distam cinco anos das suas últimas obras, as mais conhecidas e nas quais Vincent afirma uma nova paleta de cores básicas, vibrantes, repletas da energia que ele imprimiu em cada tela que pintou.
Vincent cativa pela emoção que perpassa em cada quadro. Ver as suas últimas obras juntas provoca uma torrente de emoções contraditórias - êxtase, tristeza, admiração, compaixão, dor. Pela pincelada que vai progressivamente alargando até chegar quase à abstracção, assistimos à trajectória do seu estado interior que conduziu ao fim último, por demais conhecido.
Acredito que a arte deve ser pública - deve estar em museus, galerias, jardins públicos – para poder ser usufruída por todos.
Se não fosse assim, nunca eu teria conhecido muita da vasta obra de Vincent, entre museus de França e da Holanda, e ter-me-ia ficado pelo conhecimento académico de que se tratava de “um pintor percussor do expressionismo”, o que quer que isso fosse, para além dos “fait divers”: era “louco”, “tinha cortado uma orelha” e, por fim, “tinha-se suicidado aos 37 anos”.
Talvez também nunca tivesse conhecido a sua primeira obra maior – Os Comedores batatas – que retrata com um realismo dolorosamente expressivo a pobreza dos camponeses dos Países Baixos de há 120 anos, a par dos vários quadros de sapatos, datados de 1885, apenas cinco anos antes da sua morte.

Tão pouco teria sabido a tragédia que foi a vida de um dos artistas mais prolíficos de sempre, considerando a idade com que morreu, e cujos quadros têm vindo a atingir sucessivos records de preços, ironia maior considerando que Vincent morreu paupérrimo e poucos quadros vendeu em vida.

Tal como Don McLean, agradeço a Van Gogh a herança que nos deixou - que vai muito para além das suas mais de duas mil obras, pois quer os "fauve", quer o expressionismo  alemão, quer até Pollock, dele vão ser continuadores -  embora chore a imensidão do preço que teve que pagar por ela.

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Neste jantar, preparado especialmente em sua honra, cozinhei um conjunto de pratos da doce Provença, terra que Vincent adoptou como sua - de maneira tão definitiva que nela ficou sepultado, no cemitério de Auvers-sur-Oise -, tendo em especial consideração que Vincent, para o seu equilíbrio, teria precisado de pratos nutritivos e substanciais como este, mas sem a carne que ele próprio havia rejeitado nos anos de misticismo religioso e missionário.
O amarelo foi a cor eleita para esta refeição – o amarelo quente e vibrante das telas que retratam searas de trigo e, acima de tudo, “Os girassóis”, flores que vivem o dia de acordo o ritmo do Sol que nos aquece e dá nos a luz de que precisamos.

Composição - Natureza morta (1)





Composição - Natureza morta (2)

As receitas que se seguem são do livro "A Table in Provence" de Leslie Forbes, embora tenham sido sujeitas a algumas adaptações (em itálico e entre parênteses estão as versões originais).

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TERRINA DE GRÃO E SUA SOPA
Ingredientes
1 taça de grão de bico demolhado durante 12 horas com um pouco de sal e alga kombu (no original, apenas com bicarbonato de sódio)
1 alho francês
1 cenoura
1 pouco de couve flor e meia cebola (não  constavam na receita original)
2 dentes de alho
1 folha de louro
5 folhas de salva
½ colher de café de noz moscada
2 colheres de sopa de salsa picada
Sal e pimenta
(um chouriço magro)

Preparação
Passar o grão demolhado por várias águas e levá-lo  a cozer numa panela grande com bastante água, pitada de sal e a alga kombu (no original, a autora recomendava umas folhas de espinafres para tornar o grão maiis macio); numa bola de cozinhar arroz, colocar o alho francês, a cenoura, a couve flor, os dentes de alho, as folhas de louro e salva, pitada de sal e uma tira de alga wakamé, que assim cozem ao mesmo tempo que o grão.
Quando a água começar a ferver, retirar a espuma que se vai formando até esta deixar de aparecer e só então tapar o tacho. Coze em lume brando aproximadamente 2 horas, ou 1 hora se se utilizar a panela de pressão. (Cerca de trinta minutos antes de terminar o tempo de cozedura juntar o chouriço).
Quando o grão estiver bem cozido e tenro, retirá-lo da panela.
Picar a cebola e refogá-la com azeite e pitada de sal até ficar transparente, adicionando os vegetais e a alga, bem como o caldo da cozedura; quando levantar fervura, triturar com a varinha mágica. Coar no passador por causa dos fios do alho francês.

Servir decorada a gosto - no caso, foi  com sementes de girassol. (A versão original era apenas um caldo com o chouriço cortado às fatias e uma massa cozida).





















Preparar um molho vinagrete com azeite, uns grãos de mostarda, noz-moscada, caril, sal, vinagre de ameixa e de arroz. Acrescentar um pouco de cebola e a salsa picadas. Envolver o grão no milho vinagrete. (O livro tem uma opção de maionese em vez da vinagreta; não sou fundamentalista e percebo que gente que trabalha no campo precise de adicionar calorias às suas refeições, além da fonte suplementar de proteína que é o ovo; não sendo este o meu caso, mantive-me fiel à vinagreta).

 


Para acompanhar, fiz uma quinoa estufada em cebola e azeite, a que adicionei umas colheradas de abóbora cozida e triturada para lhe dar um tom amarelo mais acentuado - sei que a quinoa não era conhecida na época de Vincent mas considero-a um bom complemento deste prato, para além de achar curioso que a quinoa seja originária da América do Sul, tal como girassóis, que vieram do Peru há quinhentos anos. A cenoura ralada deu um toque extra de cor e energia Terra.











 
Como sobremasa, preparei um pudim de abóbora, baseado na receita aqui já publicada (Convidei para Jantar José Régio).

Assim participo na 11ª Edição do Convidei para Jantar, inicativa da Anasbageri e que este mês decorre na casa da Guida.  

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